“Sempre importei com esta classificação fiscal, então por que minha carga parou, Doutora?”

Como advogada, atuante na seara do direito aduaneiro, recebo de muitos clientes a queixa de que sua mercadoria importada foi reclassificada pelos agentes da alfândega, sendo que o NCM, classificação tarifária, é a mesma já aplicada à várias importações do mesmo item, em importações anteriores, sem que fosse solicitada a reclassificação, e… “o produto bate com o que está escrito no código tarifário, sem sombra de dúvida! Não tem erro!”

Quanto a este recorrente problema, cabe aqui algumas considerações expostas de forma bem simples no intuito de facilitar a compreensão daqueles que se consideram leigos na linguagem jurídica. Vamos lá.

1. Sistema de parametrização do Siscomex.

O Sistema de Comércio Exterior, Siscomex, ao qual todas as cargas aéreas, marítimas, terrestres e também as que tem mais de um modal na cadeia logística, que deixam o país na exportação, ou ingressam nossas fronteiras em importação, estão submetidas, é programado para selecionar as cargas por amostragem para que sejam fiscalizadas.

Tal amostragem é parametrizada em canais, verde para liberação imediata sem vistoria da carga, nem vistoria de documentação; amarelo é quando a carga sofrerá conferência documental; e o famoso e temido canal vermelho que conduz a carga a conferência de documentos e vistoria física dos itens.

Assim sendo, é possível que muitas cargas sejam liberadas de imediato e até mesmo por algumas vezes seguidas, possivelmente causando ao importador a falsa impressão de que a classificação fiscal utilizada estaria correta. 

E, em vários casos está mesmo, casos em que, após a conferência documental e física, a carga estando regular é liberada; após alguns dias de inevitável espera devido à alta demanda de fiscalização nos portos, aeroportos e fronteiras, o que gera consequentemente custos extra de armazenagem e até mesmo demurrage/sobrestadia do contêiner, mas o despacho se conclui naturalmente.

Ocorre, contudo, que há casos em que aquelas cargas que “sempre” foram liberadas em canal verde, na realidade, não estavam originalmente  classificadas de forma correta e mais adequada, segundo o sistema harmonizado (SH) e, ao passar em nova importação pelo crivo do fiscal aduaneiro, essa carga é parametrizada em canal vermelho,  é fiscalizada e quando é detectado que há incorreção no item tarifário aplicado à respectiva Declaração de Importação, geralmente é solicitada a reclassificação, o que consequentemente poderá gerar multa e o recolhimento da diferença de tributos, como condição para liberação da carga. 

Nessa hipótese, resta ao importador assumir a reclassificação e suas consequências, ou provar que há equívoco por parte da fiscalização comprovando documentalmente a regularidade do item tarifário escolhido.

Contudo a defesa do item tarifário escolhido pelo importador, nos casos de divergência, deve conter argumentos fortes embasados nas normas de classificação de mercadorias do Sistema Harmonizado, o que com vistoria física e documental da carga, pode ser bem sucedida, revertendo assim a reclassificação.

O importante é sempre estar dentro das normas oficiais e técnicas de classificação, ou a defesa será geralmente ineficaz pois em nada acrescentará em favor do importador.

Reparo que nesse ponto há sempre um inconformismo, pois o importador alega que sua defesa é muito clara. Sim, pode até ser, mas se não estiver embasada nas normas técnicas do Sistema Harmonizado, realmente pouco ou nada contribuirão em sua defesa. Isso é fato.

2. O recolhimento de tributos é obrigatório para liberação da carga? 

De acordo com a inteligência do artigo 51 do Decreto-Lei nº 37/66, com a redação e ele dada pelo Decreto-Lei nº 2.472/88, o desembaraço das mercadorias e sua colocação à disposição do importador  deve ser realizada somente após o final da conferência aduaneira contanto que não haja exigência fiscal relativamente ao valor aduaneiro, ou outros itens fiscalizados no despacho. 

Assim sendo, caso haja necessidade/obrigatoriedade de reclassificação e consequente recolhimento de diferença de tributos e multa, tais determinações são tão compulsórias quanto cabíveis nesta situação.

A reclassificação fiscal, especificamente, consiste na divergência entre a classificação fiscal adotada pelo importador e a classificação fiscal que o agente da aduana entendeu ser a correta, com base nas regras do sistema harmonizado (SH), que por seu nível de detalhamento, contempla da forma mais abrangente possível todas as mercadorias que são comercializadas ou movimentadas entre países, por meio de um código específico para adequado a cada item, de tal forma que não há dois itens no SH, para o mesmo produto.

Sendo assim, rapidamente é de se concluir que, se o importador, não conhece e não aplica com propriedade as regras do sistema harmonizado (SH) para classificar suas mercadorias, está sujeito a cometer falhas ao enquadrar erroneamente o item, e nesse caso, a exigência de reclassificação nas importações, se não ocorrer logo no primeiro embarque, será apenas uma questão de tempo para que ocorra e com isso a obrigatoriedade de recolher a diferença de impostos e multas, se exigíveis.

Ou seja, não basta o produto se enquadrar apenas pela sua essência, mas tem que se enquadrar nas regras do Sistema Harmonizado que leva em conta a essência do produto e sua aplicação. 

3. Classificação fiscal não se destina, jamais, à sonegação de tributos!

Há casos em que o importador tenta enquadrar seu produto em alguma classificação fiscal que o beneficie com a redução de tributos, sem levar em conta a correta aplicação das regras do SH/NESH. Tal conduta além de ser um ilícito, se feito com intuito de sonegação de imposto, é ato que está fadado ao insucesso, com consequências que realmente não compensam a suposta redução de Tributos.

Esclarecendo, cada item do tarifário determina sua carga de tributos própria, e por meio da qual o Estado regula incentivos fiscais para determinados produtos, segundo necessidade, políticas comerciais, necessidade momentânea, destinação da carga entre outros. 

Considerando que o Sistema Harmonizado, é um sistema bem detalhado de designação e codificação de mercadorias, é uma nomenclatura aduaneira, utilizada internacionalmente como um sistema padronizado de codificação e classificação de produtos de importação e exportação, e só pode existir um código para cada item, sendo assim, a utilização de um item que determina carga tributária mais atrativa, somente deve ser aplicado se de fato o produto se enquadra dentro do que determina o SH. É uma ilusão acreditar que o sistema poderá ser manipulado com fins escusos, sem consequências.

Porém, infelizmente não é raro casos em que o importador age com dolo, real intuito de burlar as regras tributárias para assim se beneficiar com a diferença de impostos, ou ainda para escapar de alguma exigência específica tal como licença de importação prévia ao embarque, no intuito claro de se beneficiar de alguma forma, o que é  prática nada recomendável, pois ao agir assim a empresa está se sujeitando a penalidades severas, inclusive criminais dos responsáveis, além do que terá que efetuar oportunamente, o recolhimento da diferença de impostos apurada, multa, e sofrer fiscalização rigorosa de todas as suas importações nos últimos cinco anos, a fim de que possíveis diferenças tributárias possam ser levantadas e quitadas devidamente, além de ainda, responder processos judiciais nas esferas tributária  e cível com desdobramentos nada desejáveis. 

Ou seja, o crime não compensa também nessa situação pois, as multas são pesadas além da demora na liberação da mercadoria que fica pendente do pagamento da diferença de tributos pelo importador infrator, e a depender do caso, se for comprovada conduta dolosa, o importador poderá  perder a carga além de, também perder a licença para importar e exportar, conhecida como RADAR, e culminar com a inabilitação do CNPJ da empresa.

Considerações finais sobre a Classificação Fiscal e Reclassificação Fiscal:

A melhor defesa é a prevenção e a transparência. A Receita Federal fiscaliza com o rigor necessário, e é importante que o faça, pois das suas ações regulatórias e fiscalizatórias dependem a segurança da sociedade na medida em que produtos perigosos, impróprios ao consumo, ilícitos, armas ilegais, e tantas outras ameaças, inclusive a sonegação de tributos são barradas, impedindo e reprimindo ao máximo riscos indesejáveis à sociedade em geral.

Assim sendo, cabe ao importador conhecer com profundidade o produto a ser importado e sua aplicação, para que possa na medida do possível, revisar e reclassificar seus itens, valendo-se de bons profissionais técnicos especializados em classificação fiscal, previamente, de preferência, a realização de operações de  importação e exportação, pois esse é o momento adequado para se projetar as operações de compra e venda internacionais, adotando sempre uma conduta profissional e ética o que garante melhores resultados financeiros reduzindo o risco de despesas extras e outras tantas “dores de cabeça” que ocorrem sempre quando o planejamento adequado dos custos e procedimentos  é posto de lado.

É bem de se ressaltar que, o “barato” sai caro! Com os sistemas de fiscalização eletrônicos de última geração utilizados pela Alfândega da Receita Federal, somado à toda facilidade e agilidade disponíveis aos meios modernos de comunicação faz-se necessário uma conduta cada vez mais profissional, bastante cuidadosa por parte das empresas pois, nessa direção os resultados obtidos são geralmente positivos e sustentavelmente crescentes, como devem ser todos os bons negócios.

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